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T M I - DRY NEEDLING

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 Dry-needling: conceitos, história e suas aplicações no manejo da dor miofascial.

*Gilberto Antônio da Costa Júnior

*Fisioterapeuta Quiropraxista, Diplomado em RTO, Doutorando em Ciências Biomédicas.

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Dry-Needling ou Agulhamento Seco: é uma técnica desenvolvida no ocidente, utilizada para o tratamento da dor miofascial que se popularizou nas ciências da saúde, principalmente na fisioterapia. Porém, pacientes, e até mesmo alguns profissionais, não a compreendem amplamente, desconhecendo sua origem, contexto fisiopatológico, bases neurofisiológicas e indicações de tratamento, confundindo-a com acupuntura, uma técnica da medicina chinesa/oriental, bastante difundida, mas, com raciocínio e métodos de avaliação/tratamento diferentes da técnica ocidental. O objetivo desse texto é revisar a literatura afim de esclarecer alguns tópicos e conceitos fundamentais da técnica, mas sem pretensões de desenvolver um trabalho sistemático, sendo, portanto, um texto mais leve, mas não menos pragmático.

 

 

 

 

 

Analisando a história, nos deparamos com o ano 1938, quando o Prof. John Kellgren, aplicando pressão mantida em músculos, observou que era possível identificar pontos sensíveis e reproduzir a dor que incomodava os pacientes. Para eliminá-las, Kellgren, injetava medicamentos analgésicos, iniciando um modelo de avaliação e tratamento de uma patologia/disfunção ainda não muito bem compreendida. Mais tarde, em 1942, Drª Janet Travell propôs o uso de injeções com substâncias analgésicas e anti-inflamatórias para tratar esses mesmos pontos, batizados por ela de pontos gatilho miofasciais (PGM). Assim nascia o entendimento de um fenômeno clínico patológico de origem muscular, pouco compreendido histológica e fisiologicamente, porém clinicamente detectável e tratável com infiltração de fármacos. A mudança no paradigma do tratamento com agulhas ocorre em 1979, quando Karel Lewit, publica resultados demonstrando os benefícios do agulhamento, sem injetar quais quer substâncias, para o controle da dor miofascial, o qual denominou: “needle effect” (efeito agulha), justificando que o controle da dor acontecia quando a agulha penetrava o ponto gatilho – de forma profunda - e que, a melhora, não tinha qualquer relação com analgésico ou anti-inflamatório aplicado nas injeções. Contudo, o artigo não explicava como ou porquê o fenômeno acontecia.

O modelo de agulhamento profundo era o único praticado até 1980, quando o Dr. Peter Baldry, com medo de provocar pneumotórax em seus pacientes, desenvolveu uma forma alternativa de agulhar os pacientes, sem necessidade de respostas de contração muscular e de aprofundamento da agulha. A técnica se baseava no tempo, geralmente 30 min, para criar efeitos circulatórios reflexos, ou até mesmo mecanismos reflexos de inibição da dor. Segundo suas observações, 90% dos pacientes melhoravam com agulhamento superficial e apenas 10% necessitariam de agulhamento profundo. Porém, novamente as explicações dos mecanismos por trás dos fenômenos não eram satisfatórias.

Concebida, principalmente, para controle da dor e normalização da função muscular, o agulhamento a seco tem um objetivo específico, inativar PGM. É importante entendermos do que estamos falando e como esses pontos são formados. Definido como ponto hiper irritável, altamente localizado e palpável dentro de uma banda tensa das fibras musculoesqueléticas, os PGM podem estar ativos (espontaneamente dolorosos e sintomáticos) ou latentes (não dolorosos espontaneamente), porém, ambos ativam nociceptores musculares que, ao serem hiper estimulados, iniciam alterações reflexas promovendo rigidez muscular, diminuição de força e limitação da amplitude de movimento (ADM), além de alterações sensitivas e autonômicas (alterações na temperatura da pele, sudorese, atividade pilomotora). Esse fenômeno pode acontecer nos músculos apendiculares e axiais, contudo, quando o processo acontece nos paravertebrais os músculos axiais podem entrar em sofrimento. Uma vez com rigidez e encurtamento os paravertebrais aumentam a pressão Intradiscal, impactam as articulações facetarias, diminuem o espaço foraminal sensibilizando a raiz nervosa, que por sua vez, estimulam o corno posterior e anterior da medula criando uma resposta contrátil de proteção, encurtando ainda mais os músculos inervados por esses segmentos, formando um ciclo vicioso. Músculos como ECOM, escalenos, quadrado lombar e Iliopsoas podem ter o mesmo efeito dos paravertebrais. Esse ciclo de estímulo dos nociceptores e contínuas respostas reflexas afetam os sistemas nervosos periférico e central, sendo denominado sensibilização.

O processo de sensibilização ocorre, num primeiro momento com a inflamação muscular produzida pela isquemia, fruto da vasoconstrição subsequente ao excesso de tensão das fibras musculares com PGM. O excesso de contração acontece quando actina e miosina, estimuladas pela grande quantidade de íons Ca++ livre no sarcolema, formam pontes cruzadas e deslizam seus filamentos encurtando as miofibrilas. Essa liberação pode ser por ruptura de fibras musculares e dos seus retículos sarcoplasmáticos, ou por excesso de atividade na placa neuromotora (o botão terminal apresenta excesso de acetil colina, seja por falta de acetilcolinesterase, por excesso de receptores colinérgicos nicotínicos, pela combinação dos dois, ou ainda por excesso de potencial de ação disparados do neurônio motor, sensibilizado por uma síndrome facetaria ou estenose do forame neural). Com o aporte sanguíneo diminuído a mitocôndria reduz a produção de ATP pelo ciclo aeróbio, dependente de oxigênio e glicose, recorrendo ao anaeróbio, que disponibiliza uma quantidade insuficiente de ATP, molécula fundamental para liberação dos sítios de ligação dos monofilamentos (o sítio de ligação entre actinica e miosina só é liberado mediante a quebra da molécula de ATP). A isquemia local e contratura das fibras musculares inicia o processo de inflamação/sensibilização. 

Embora o mecanismo exato do efeito terapêutico do dry needling permaneça desconhecido, a analgesia promovida pela técnica é aceita. É possível que o movimento rápido da agulha em um PGM possa estimular as fibras aferentes sensoriais de grande diâmetro ascendendo até níveis superiores que modulam ações descendente supraespinhais de inibição da dor. Alguns estudos demonstraram diminuição da atividade da placa neuromotora após agulhamento, sugerindo que o fenômeno ocorre por ruptura da integridade da placa terminal disfuncional, ou por esgotamento dos níveis de acetilcolina na fenda sináptica. Outros consideraram a possibilidade de uma rápida queda na liberação de substâncias químicas, como a substância P e o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP) diminuindo a sensibilização periférica e interrompendo o ciclo dor/espasmo/dor. Curiosamente o agulhamento a seco tem demonstrado aumentos na circulação local mesmo sem produção de LTR, sendo relatado na literatura aumento de 72% do fluxo sanguíneo local no trapézio em comparação com os níveis basais após 15 min de exposição ao agulhamento seco em indivíduos saudáveis. Em outros estudos, o fluxo sanguíneo aumentou com agulhamento de maneira dose-dependente e permaneceu elevado por 60 min sem o relato de LTR. O fenômeno pode ser explicado pela liberação de CGRP e substância P após agulhamento o que pode iniciar uma cascata de vasodilatadores, mediada pelo CGRP, assim como pelo óxido nítrico, que pode levar a um efeito de lavagem local seguido de controle inflamatório. Alternativamente, o CGRP e substância P podem fornecer feedback negativo aos autorreceptores, em última análise, diminuindo a liberação de CGRP e substância P. Há também evidências de que a liberação simultânea de substância P pode reduzir os níveis periféricos de CGRP, sendo interessante uma vez que ele atua como propagador da inflamação quando liberado em grandes quantidades, mas quando encontrado em baixas quantidades possui potentes ações anti-inflamatórias.

Em outra perspectiva, é importante apontar que patologias de origem não muscular como a disfunção da articulação facetária podem contribuir para a formação de PGM. Essa hipótese é razoável quando observamos clinicamente que bloqueios facetários e manipulação da coluna vertebral demonstram diminuir a atividade da placa terminal e a dor relacionadas aos pontos gatilho. Vale salientar que alterações nas propriedades viscoelásticas da fáscia e deficiências biomecânicas também parecem estar relacionados com a formação e propagação de PGM. Logo, não parece razoável tratar uma síndrome miofascial apenas na periferia, pois agulhando apenas o músculo em disfunção pode-se não alcançar os resultados almejados, talvez aliviar a dor a curto prazo, reduzindo hiperexcitabilidade muscular, mas os resultados a longo prazo provavelmente não seriam alcançados se a etiologia subjacente da condição for algo além do tecido muscular.

Por último, mas não menos importante, é necessário entender que diferentes partes do córtex cerebral como tálamo, hipotálamo e sistema límbico estão envolvidos na facilitação ou inibição da dor. Logo, uma avaliação mais complexa, analisando mudanças comportamentais diante da dor, alterações do sistema nervoso central e periférico, buscando compreender como surgiu o PGM no paciente, compreendendo a história pregressa do paciente, biomecânica da lesão – caso exista, aprofundando a investigação na anamnese, pode ser o caminho para um tratamento de êxito.

 

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